Almada Negreiros - Cena do ódio
Mais um exemplo de interdisciplinaridades. Almada Negreiros. Aqui reproduzo um poema violento. Não me identifico com toda esta carga de ódio, mas fica como provocação, para que comentem, se quiserem, ou não.
(Aviso desde já que é longo e denso...)
Ergo-Me Pederasta apupado d'imbecis,
Divinizo-Me Meretriz, ex-líbris do Pecado,
e odeio tudo o que não Me é por Me rirem o Eu!
Satanizo-Me Tara na Vara de Moisés!
O castigo das serpentes é-Me riso nos dentes,
Inferno a arder o Meu Cantar!
Sou Vermêlho-Niagara dos sexos escancarados nos chicotes
dos cossácos!
Sou Pan-Demónio-Trifauce enfermiço de Gula!
Sou Génio de Zaratrusta em Taças de Maré-Alta!
Sou Raiva de Medusa e Danação do Sol!
Ladram-Me a Vida por vivê-La
e só Me deram Uma!
Hão-de lati-La por sina!
Agora quero vivê-La!
Hei-de Poeta cantá-La em Gala sonora e dina
Hei-de Glória desanuviá-La!
Hei-de Guindaste içá-La Esfinge
da Vala pedestre onde Me querem rir!
Hei-de trovão-clarim levá-La Luz
às Almas-Noites do Jardim das Lágrimas!
...
Hei-de bóia do Destino ser em brasa
e tua náufrago das galés sem horizontes verdes!
E mais do que isto ainda, muito mais:
Hei-de ser a mulher que tu gostes,
hei-de ser Ela sem te dar atenção!
Ah! que eu sinto claramente que nasci
de uma praga de ciúmes.
Eu sou as sete pragas sobre o Nilo
e a Alma dos Bórgias a penar!...
de José Almada Negreiros
poeta sensacionista
e Narciso do Egipto
Cena do Ódio - Foi escrito por Almada Negreiros durante os três dias e as três noites que durou a revolução de 14 de Maio de 1915 - A Álvaro de Campos a dedicação intensa de todos os meus avatares.
Pormenor de «O Número», 1958, Tribunal de Contas de Lisboa, por Almada Negreiros. Do lado direito, equilibrando simetricamente as cinco «descobertas», encontramos os cinco sólidos platónicos e as respectivas planificações. Um homem da renascença está emoldurado por dois pentágonos. Junto dele lê-se uma citação de Campanus de Novara sobre a média e extrema razão, com a respectiva expressão matemática e, aos seus pés, a equação do número de ouro e o nome de Luca Pacioli. Um pouco mais abaixo encontra-se uma citação de Piero della Francesca, pintor e matemático renascentista que introduziu na pintura a perspectiva geométrica e escreveu o livro «De quinque corporibus regularibus /Os cinco corpos regulares».
Etiquetas: Poesia
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