O nosso processo eleitoral não é justo
O leitor estará certamente farto de campanhas eleitorais e nauseado de ouvir expressões como “voto útil”. E pensará com resignação que é um preço a pagar: afinal, as eleições livres e universais são a quintessência da democracia e o princípio de “um homem – um voto” a expressão máxima da igualdade entre os homens.
Nada pode haver, portanto, de mais justo do que os resultados das eleições – como até os vencidos terão sublinhado, provavelmente com expressões como “em democracia o povo é soberano. Certo?
Errado.
O princípio, aceite hoje universalmente, de “um homem – um voto”, conhecido por “votação plural”, não é o processo mais justo de proceder a uma eleição.
Estas são as palavras iniciais dum capítulo do livro de divulgação científica, “O mistério do Bilhete de Identidade e outras histórias”, escrito por Jorge Buescu, professor de matemática no IST, que vi referido há dias no "A destreza das dúvidas". Lembrei-me hoje deste capítulo sobre processos eleitorais, que tinha lido há uns tempos e que vem agora, mesmo a propósito. Mas foi-me difícil reencontrá-lo, pois o título deste artigo, no livro é “Viva o festival da canção”. Qual a razão deste título? Simples: no festival da canção segue-se um processo de contagem dos votos mais justo que nas nossas eleições políticas. Lembram-se deste festival? “United Kingdom: nine points, Denmark: five points, ...”
Analisemos então estes métodos.
Suponhamos que num dado processo eleitoral há 3 candidatos A, B e C e que os votantes são em número de12.
Convencionemos que se um eleitor prefere, por exemplo, A a B e B a C, se escreve A>B>C, para representar a sua ordem de preferência dos candidatos.
Suponhamos agora que dos 12 votantes, há 5 que preferem A>B>C, 4 que preferem B>C>A e 3 cuja preferência é C>B>A. De acordo com o método em vigor, “um homem – um voto”, o eleito será o candidato A, pois tem 5 dos votos, enquanto que B tem 4 votos e C tem 3.
Será um resultado justo? Suponhamos que o candidato B retira a sua candidatura. Continuará o vencecedor a ser A? Não, pois neste caso tem-se 5 votos para A e 7 votos para C. Ganharia C. Portanto, este método não dá uma medida correcta das preferências do eleitorado.
Se fosse o C a desistir, então o vencedor seria B com 7 votos contra 5 votos no candidato A. Ganharia B.
Se a eleição se fizesse apenas entre B e C, o ganhador seria C, com 8 votos contra 4.
Portanto, quando a eleição se faz apenas entre 2 candidatos, o C ganha 2 vezes, enquanto B ganha 1 e A não ganha nenhuma. Ou seja, o candidato ganhador pelo método “um homem – um voto”, é na realidade o menos querido pela maioria. Curioso, não é?
Este método não traduz com rigor as preferências do eleitorado.
O método de contagem passa a ser mais justo se se pontuar a ordem de preferência. Por exemplo, dando 3 pontos à 1ª preferência, 2 pontos à 2ª e 1 à 3ª.
Assim, no exemplo anterior, o candidato A ficaria com 22 pontos, B com 23 e o C com 27. Ou seja, C seria o vencedor e o A ficaria em último lugar, o que já está de acordo com o esperado.
Deste modo, a contagem reflete não só a primeira escolha de cada eleitor, mas também todas as preferências relativas dos vários candidatos.
Este método, é conhecido por “Contagem de Borda”. Jean-Charles Borda foi um matemático francês que em 1780, cansado das más decisões da Academia das Ciências, propôs este novo sistema de contagem de votos. A Academia usou-o durante 20 anos, até que foi proibido por Napoleão...
Mais tarde, Kenneth Arrow publicou como parte do seu doutoramento um estudo sobre o processo eleitoral. Considerou que um processo eleitoral para ser justo e livre de paradoxos, devia obedecer a três condições:
(1) Liberdade: cada eleitor pode ordenar livremente os candidatos.
(2) Unanimidade: se todos os eleitores preferirem A a B, então A vence as eleições.
(3) Independência: o resultado final não pode depender do facto de algum dos candidatos desistir a meio do processo, (como acontece no exemplo dado no início).
Mas Arrow chega ao resultado espantoso de que o único sistema eleitoral com três ou mais candidatos que obedece as estas inocentes condições é aquele em que existe um eleitor fixo tal que o resultado da eleição coincide sempre com o seu gosto.
Com este resultado, Arrow ganhou o prémio Nobel da Economia em 1972. Afirmando, portanto, que o único sistema eleitoral livre de incoerências e paradoxos é uma ditadura!...
A democracia foi salva por Donald Saari, da Northwestern University, que publicou em 1995 o livro “Basic Geometry of voting”, onde descobre a causa do paradoxo de Arrow. O problema é que o método de Arrow permite escolhas não transitivas. Partindo de pressupostos semelhantes aos de Arrow, mas com a exigência de as escolhas serem transitivas (se A>B e B>C, então A>C), então Saari demonstra que o único processo democrático que assegura uma eleição justa e sem paradoxos é o método de Borda.
Ainda não é hoje que vamos ter um processo eleitoral que siga este justo método. Infelizmente! Reconheço que seria mais complicato apurar os resultados. Eu já estive vários anos em mesas de voto e lembro-me da maçada que é, no final, a contagem dos votos. Mas, tenhamos esperança! Um dia, talvez os matemáticos se façam ouvir. Um dia, talvez com a ajuda de meios tecnológicos mais avançados de votação e contagem de votos, a tarefa fique simplificada e seja possível saber com mais exatidão quais são as verdadeiras preferências dos eleitores.
Apesar disto, eu vou votar!
"Chaotic Elections! A Mathematician Looks at Voting", por Donald G. Saari
American Mathematical Society, 2001. Paperback, 159 pp, $23.00. ISBN 0-8218-2847-9.
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