Euler
Faz hoje 300 anos que Euler nasceu em Basileia, por isso vamos relembrá-lo.
Euler por Jorge Buescu em De Rerum Natura:
"Completam-se hoje três séculos sobre o nascimento do maior matemático de todos os tempos.
Leonhard Euler (1707-1783) foi muito provavelmente o maior génio matemático de todos os tempos. Foi indiscutivelmente o matemático mais produtivo de sempre, em quantidade e qualidade. Publicou mais de 850 artigos científicos, bem como muitas dezenas de livros, nas grandes Academias de Ciências da época, em todos os ramos da Física e da Matemática do seu tempo. Na verdade, há ramos inteiros da Física e da Matemática (no século XVIII a distinção entre estas ciências é difícil; a Matemática é criada à medida dos problemas físicos tratados) fundados por Euler, da Teoria Analítica de Números à Dinâmica de Fluidos, e ainda hoje ensinados nas Universidades de todo o mundo como ele os abordou.
Não existe nada na história da Ciência que se assemelhe remotamente à inacreditável produtividade de Euler. Uma boa medida desta produtividade é a seguinte: aquando do segundo centenário do seu nascimento, em 1907, foi constituída na Suíça a Comissão Euler, encarregada de organizar a publicação das obras completas de Euler, a chamada Opera Omnia. Tarefa titânica: cem anos, 76 volumes e 30.000 páginas depois (cada volume tem entre 300 e 600 páginas), a publicação das obras completas de Euler ainda não está concluída!
A vida científica de Euler foi um permanente dilúvio matemático. Durante as seis décadas da sua vida adulta, mesmo em circunstâncias muito difíceis, Euler concebeu, descobriu e escreveu Matemática a um ritmo muito superior àquele que pode ser sequer lido por um ser humano. Só se pode contemplar uma obra de tal forma esmagadora com um grande sentimento de humildade e quase incredulidade.
Euler viveu aqui.
Em termos de qualidade científica, Euler foi por um lado um cientista universal – trabalhou em todos os grandes problemas da Física e Matemática da sua era – e, por outro lado, tudo aquilo que produziu revela uma capacidade de penetração para além de qualquer ser humano antes ou depois dele.
Euler fez um oceano de contribuições fundacionais para o Cálculo diferencial e integral, equações diferenciais ordinárias e parciais, Teoria de Números, Geometria, Álgebra, Mecânica de partículas, Hidrodinâmica, Astronomia, Topologia e Teoria de grafos.
O espírito genial de Euler transformava pedras em ouro matemático. Por exemplo, a Teoria de grafos nasce, nas mãos de Euler, de um problema de salão que lhe foi colocado em S. Petersburgo e de que provavelmente o leitor já ouviu falar – as pontes de Königsberg. E o Sudoku que jogamos hoje é um pequeno exemplo de construção de objectos cuja teoria Euler fundou em 1782, os quadrados latinos, a propósito do problema dos 36 oficiais (que se diz ter-lhe sido proposto por Catarina, a Grande, czarina da Rússia).
Geralmente um grande cientista fica imortalizado por uma contribuição central na sua carreira: a Gravitação de Newton, a Lei de Gauss, a Hipótese de Riemann, a Relatividade de Einstein. Mas, se um matemático referir no abstracto o “Teorema de Euler”, ninguém poderá sequer saber de que ramo da Matemática está ele a falar, tal a abrangência do seu legado científico.
Observe-se a quantidade de descobertas científicas com o seu nome que ainda hoje se ensinam nas Universidades de todo o Mundo. Os ângulos de Euler na dinâmica do corpo rígido. As equações de Euler-Lagrange no Cálculo de Variações. Os integrais de Euler. A característica de Euler. A função de Euler φ(n). A constante de Euler. As equações de Euler da Mecânica dos Fluidos. A linha de Euler de um triângulo. Os produtos de Euler (mais famoso dos quais o da função ζ, mais tarde chamada “de Riemann”, mas que deveria ter também o nome de Euler). A fórmula da soma de Euler-Maclaurin. A fórmula de Euler para os números complexos. E assim por diante... esmagador.
“O” Teorema de Euler não existe. Euler foi grande demais para se identificar por um resultado. Lagrange, o seu único aluno, ele próprio matemático de primeira categoria, escrevia aos seus contemporâneos “Leiam Euler, leiam Euler! Ele é o Mestre de todos nós”. Já agora, o número de descendentes científicos (alunos de alunos de alunos...) de Euler é 37735.
Euler nasceu perto de Basileia, na Suíça, em 1707. Em 1726 a czarina Catarina I, viúva de Pedro o Grande, convida Euler para integrar a recém-criada Academia das Ciências de S. Petersburgo. Lá ficará até 1741, altura em que (já tendo perdido um olho) parte para Berlim, onde integrará a Academia das Ciências de Frederico II. Lá ficará um quarto de século; nessa altura, já considerado o maior cientista europeu, decide voltar para S. Petersburgo, onde prossegue a sua prodigiosa actividade científica. No entanto sofre em 1771 um rude golpe que terminaria a vida produtiva de um ser humano normal: perdeu o olho esquerdo, ficando assim quase totalmente cego.
Mas Euler não parecia deste Mundo. Ao que se diz, terá declarado “assim tenho menos distracções”. E tinha razão: inacreditavelmente, quase metade da sua produção científica (mais de 400 trabalhos) data desa segunda estadia em S. Petersburgo. Trabalhava com assistentes, um dos quais seu filho, e tinha um quadro gigante no seu escritório, onde escrevia em letras enormes que mal conseguia ver.
A sua memória era prodigiosa; conseguia realizar cálculos intricadíssimos dentro da cabeça e ditava-os aos seus assistentes. Além das centenas de memórias científicas, assim escreveu livros sobre Álgebra, Cálculo Integral ou Óptica. Neste período a sua produtividade científica média era de um artigo por semana!
A 18 de Setembro de 1783 Euler estava no seu escritório a trabalhar sobre a órbita de Urano, recentemente descoberto. Sofreu então um acidente vascular cerebral – uma morte rápida e indolor. Ficou a sua monumental obra, cuja publicação ainda hoje está por terminar.
Se a Literatura teve Shakespeare e a Música teve Mozart, a Matemática teve Euler. Euler é um dos seres humanos que nos eleva acima do plano mortal, e com quem nos sentimos honrados de partilhar o mesmo planeta.
Dedico um capítulo do meu novo livro a Leonhard Euler."
Etiquetas: Matemática
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