Limite
Pedra após pedra
cálculo após cálculo,
escalei exponenciais de base maior que um
como se não restasse já tempo algum.
E avancei desprotegida
para além do medo,
- assim me tornava destemida
a vontade de descobrir o segredo.
Naveguei em mares sem fim
sobre agitadas ondas de período 2pi .
Noite após noite
sem ajuda de ninguém,
da lua calculei o seno,
do seio a curva extrapolei,
estranhos sinais escutei de faróis de além,
imaginários números reais contei de uma outra margem,
e avancei,
ansiosa por desvendar o sentido oculto da mensagem.
Obscuras grutas explorei,
e de axioma em axioma
no encadeado de múltiplas razões me enredei,
da terra rasgando o mais profundo,
das mãos sangrando a demonstração do mundo,
de tudo extraindo a inumerável raiz,
dos números todos buscando a antiga matriz
à procura de um indefinível e raríssimo minério.
E avancei
avancei sempre,
tão forte era a vontade de decifrar esse mistério.
Sem máscara
sem arma
sem régua ou compasso,
avancei só
avancei passo a passo
dia após dia,
a rigorosa lógica amando menos
que a quente poesia.
Como uma criança assustada
que noite após noite conta sem parar
e adormece mais cansada
sem o último número alcançar,
a todos os perigos sobrevivi
de todas as solidões renasci,
e ao perigo da razia da razão resisti.
Mas para quê se pouco encontrei do que esperava encontrar ?
Para quê ?
- Talvez para compreender
que um limite não se alcança por acumulação de cálculos.
Um limite ... há que pressenti-lo de dentro
e num voo directo, mais rápido que o da Razão,
identificar sujeito e conhecimento,
como em qualquer sucessão.
-- Talvez para reconhecer,
que muito viajar e conquistar,
não é condição necessária para compreender.
Basta o que se é, ser,
olhar à volta e ver,
ou melhor ainda, ver sem olhar,
e sem chegar a partir, caminhar .
Desejar sem desejo
agir sem acção
beijar sem dar beijo
amar sem contradição;
mover-se e permanecer imóvel,
combater pela Verdade, pelo Primeiro Móvel,
sem algum lucro ambicionar,
e decididamente rejeitar o 'para mim'
- pois só se alcança o que se deseja
quando já nada se deseja alcançar enfim.
(LIMITE, de Luis Madureira)
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