Conheço uma menina
Conheço uma menina que toda a vida ambicionou ser professora. Quando ainda andava na Faculdade (de Letras, mas isso é irrelevante) e me via aos fins de semana, ou à noite a corrigir testes, ficava fascinada. Para mim, docente do ensino superior, a parte mais chata da profissão de professor é corrigir testes e exames. Uma estopada! Ler intermináveis divagações que por vezes não fazem qualquer sentido, tentando perceber se por acaso o aluno estaria a pensar correctamente, embora se exprimisse mal, e multiplicar esta tarefa por centenas, com um prazo limitado para concluir o trabalho, é muito fastidioso. Mas ela, até isso admira. Achava uma tarefa muito mais interessante do que ficar comodamente no sofá a ver televisão ou a ler o jornal, como via as outras pessoas fazerem.
Assim, essa menina empenhou-se profundamente em cumprir os seus sonhos.
Acabou o curso fazendo as tais cadeiras pedagógicas e o estágio necessários para ser professora do ensino básico/secundário. Vi-a muitas vezes a trabalhar no meio duma grande confusão, conseguia concentrar-se no meio do ruído feito por uma família numerosa. Contrariamente aos seus irmãos, abdicou de muitas saídas com o seu grupo de amigos, pois o seu trabalho estava primeiro. Trabalhos escolares eram tarefas inadiáveis.
Durante o estágio assiti ao prazer que lhe dava planear as aulas, organizar actividades para os alunos. Fazia pesquisas na internet, procuras bibliográficas, procurava nas minhas revistas determinadas fotografias com que elaborava colagens, etc. Desdobrava-se em trabalhos para tornar as aulas mais interessantes para os alunos.
O ano passado foi o primeiro em que teve de enfrentar o temido mercado de trabalho dos professores do ensino básico/secundário em Portugal. Apesar de ter concluído o estágio com média de 16 valores (penso que em Letras é uma boa média), e de ser profissionalizada, é claro que não foi colocada. Por acaso, na escola onde a mãe leccionava, faltou de repente uma professora que teve de ficar em casa durante muitos meses, com uma gravidez de risco. Nessa altura a escola tinha possibilidade de seleccionar/contratar directamente um docente em falta e o assunto resolveu-se a contento de todos. Os alunos não interromperam as aulas, a escola não ficou sem professor e um professor qualificado não foi desaproveitado.
Este ano, segundo percebi, resolveram mudar as regras do jogo, e parece que as escolas já não podem seleccionar os docentes que precisam. O processo é todo centralizado no Ministério. Poderia ser mais justo, se funcionasse. Mas, como se comprova, o Ministério não tem capacidade para gerir um tão grande volume de dados. A demora causada prejudica toda a gente. E as injustiças continuam, pois os mais “espertos” arranjaram uns atestados para passarem à frente dos seus colegas mais qualificados.
Sempre ouvi dizer que o óptimo é inimigo do bom.
Não duvido que houvesse as melhores intenções ao centralizar todo o processo no Ministério, mas a realidade é que não resultou!
A menina, uma professora profissionalizada, altamente motivada para se dedicar com paixão à nobre tarefa de ensinar e para a qual se preparou toda a vida, está agora em casa a pintar as paredes do seu quarto. Ocupa as mãos para não pensar.
Qual a lógica deste sistema?
Entretanto, em Portugal temos:
* 900 mil analfabetos.
* 30 a 40 mil docentes licenciados no desemprego.
* Sub-emprego pós-graduado.
* A classe empresarial com o mais baixo perfil académico da Europa.
* A maior taxa de abandono escolar da União Europeia. Sem competidores a menos de 10% de distância.
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