Sebastião e Silva e o doutoramento
Dizia frequentemente Sebastião e Silva que nunca conseguira ler um livro de Matemática de princípio ao fim. E isso pela mesma razão por que lhe foi tormento jamais esquecido a preparação dos "pontos" e "lições" para o doutoramento e o concurso de 1951 para catedrático do I.S.A. Nessa preparação, um curtíssimo prazo limitava o estudo preparatório daqueles pontos e lições, que envolviam dezenas de assuntos variadíssimos, muitas vezes à-priori desconhecidos dos candidatos.
Ao começar o estudo de qualquer desses assuntos, automaticamente começava ele a entrever aspectos pessoais, enquadramentos novos, esquemas de desenvolvimentos originais. Começava, em suma, a percorrer pistas de pesquisa, que a profundidade da sua formação e o seu vigor imaginativo logo lhe entreabriam no espírito sempre em disponível tensão criadora.
Era-lhe por isso penoso em extremo ter que abandonar - sob a pressão do prazo inexorável - os rumos assim esboçados, a fim de abordar a preparação de outros temas propostos, que lhe eram renovado ensejo de frustração idêntica.
Esta impressão de tormento pessoalmente jamais esquecido, em conexão com as provas de acesso académico a que se sujeitara, - conduziu-o mais tarde ao enérgico repúdio dessas provas tal como estavam então organizadas. Reputava-as de bárbaras, decerto únicas no mundo civilizado pelo esplendor do absurdo que majestosamente ostentavam.
"Sobrevivência dos velhos pendores nacionais para a tauromaquia de morte" segundo o ilustre Professor de Coimbra Joaquim de Carvalho, o esquema de provas de acesso na carreira universitária era (e no essencial ainda é) moldado na base deste desiderato épico: o de que o candidato a essas provas demonstre o seu domínio de toda a ciência em cada caso considerada (Física, ou Matemática, ou Química, etc.) em extensão e profundidade!
Não há exagero neste asserto: ele foi proferido, muito a sério e sem hesitações, não há muito tempo, por volta de 1960, no decorrer de provas académicas prestadas numa Universidade portuguesa, e a que eu assisti. Sebastião e Silva sentia um indomável horror por este estado de coisas, - que vivera pessoalmente. Professor catedrático, evitava o mais possível participar como votante em júris de provas tão absurdas, que lhe reproduziam, no drama a que via sujeito cada novo candidato, o seu próprio mal-estar de grande cérebro científico em luta com um sistema de provas tão estúpido como odioso, a que por duas vezes atormentadamente se submetera. (Este parágrafo foi escrito em 1972)
(Biografia de Sebastião e Silva pelo Prof. Doutor António Andrade Guimarães)
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